Um dos mais belos salmos dos cento e cinquenta constantes na Bíblia é o vinte e três. A língua original em que este salmo foi escrito é o hebraico. Devido à época e local em que foi criado, seu conteúdo contém elementos da cultura do antigo povo hebreu, não muito conhecidos na atualidade, mas que serão explicados ao longo deste estudo.
O Salmo 23 foi escrito por um dos mais famosos reis de Israel, o Rei Davi, há aproximadamente mil e quinhentos anos antes do Senhor Jesus Cristo deixar seu trono na eternidade e vir até nós; ele se inicia com uma frase especial: "O Senhor é o meu pastor, nada me faltará".
Isso quer dizer que, "quando eu me deixo conduzir pelo Senhor, abdicando da minha própria vontade para dar lugar a d'Ele, não sentirei falta de nada, porque Ele me suprirá de tudo o que eu necessitar, e com isso estarei plenamente satisfeito".
A partir desta frase, então, entendemos que se buscarmos a Deus de todo o coração e aprendermos a Sua vontade, de forma a conduzirmos nossas vidas totalmente e somente apoiados na justiça d'Ele, ou, de forma que todas as nossas decisões estejam de acordo com ela, absolutamente nada nos faltará. A justiça de Deus é perfeita, infalível, imutável, digna de total confiança, e se encontra revelada (ou esclarecida, para que possamos entendê-la melhor) no ensino de Cristo, nos livros do Novo Testamento.
Davi, antes de assumir o trono de Israel, foi pastor de ovelhas em sua juventude, e por isso usou sua vivência na área de criação desta espécie de gado para fazer uma sábia comparação: ele descreve Deus como um pastor de ovelhas cuidadoso, e quem se deixa guiar pela vontade de Deus, como uma ovelha que este bom e eficiente pastor conduz.
Assim, no Salmo 23, percebemos que após o Rei Davi dizer que o Senhor era o pastor dele e por isso nada lhe faltaria, ele prossegue explicando como é que o seu pastor fazia para que realmente ele não sentisse falta de coisa alguma. Vamos, a seguir, analisar versículo a versículo, sobre o quê realmente o nosso famoso salmista está falando:
"Deitar-me faz em verdes pastos" (versículo 2); isso significa que, assim comoum pastor cuidadoso se empenhava em levar suas ovelhas a locais bem providos de pasto, onde pudessem se alimentar bem e depois descansarem seguras, Deus sempre o levava a descansar num local confortável, com comida suficiente e bem abrigado. Assim, Davi podia estar tranquilo ainda que estivesse sendo perseguido, ou seja, Deus estava dando conforto material e mental ao Rei Davi, em recompensa a sua obediência a Ele.
"Guia-me mansamente à águas tranquilas" (versículo 2); quando Davi disse isso, foi usando o conhecimento de que um pastor de ovelhas precisa levar seu gado a beber água num lugar onde não corra perigo de ser atacado por animais selvagens, e onde as correntes de água não sejam violentas a ponto de arrastar os animais e matá-los afogados ao entrarem nela para beber. Então, aqui Davi declara que Deus lhe guardava a vida enquanto ele estava sendo provido, lhe conduzindo a estar em locais onde pudesse estar saciado e descansado, despreocupado da maldade dos outros e das adversidades da vida.
"Refrigera a minha alma" (versículo 3); na Bíblia NVI, encontramos a seguinte frase: "Restaura-me o vigor". Aqui, nosso salmista deixa claro que Deus fazia de tudo para que ele se sentisse bem, assim como um bom pastor primava no cuidado de seu rebanho. Deus não deixava que o Rei Davi permanecesse fraco após enfrentar alguma situação difícil em sua vida, mas sempre restaurava-lhe as forças mentalmente e fisicamente para que ele tivesse ânimo e convicção de continuar obedecendo aos Seus mandamentos.
"Guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome" (versículo 3); com isso o salmista declara que o Senhor estava lhe abrindo sempre os olhos para entender a justiça de Seu Reino, e também ajudando-o a andar nela, na medida em que ele demostrava seu amor a Deus se propondo a obedecer aos seus mandamentos, ainda que não os compreendesse claramente a princípio. Hoje, Deus tem revelado à toda humanidade a justiça do Seu Reino através do ensino de Seu Filho Jesus Cristo. Quem escolhe aprendê-la e praticá-la, está se deixando guiar por Deus e está provando de fato seu amor a Ele.
"Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam" (versículo 4); na Bíblia NVI, encontramos o seguinte: "Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem". Davi se sentia seguro e confiante mesmo em situações muito difíceis, porque sabia que Deus estava com Ele.
E como é que o Rei Davi sabia que Deus estava com ele, se não podia vê-lo? Nosso salmista responde isso na frase seguinte: "a tua vara e o teu cajado me consolam"; com isso ele está dizendo que, mesmo sem ver a Deus, percebia que estava sendo consolado e corrigido por Ele todo o tempo, nas mais diversas situações. Mais uma vez o salmista usa seus conhecimentos de pastor de ovelhas para fazer uma comparação entre o cuidado de Deus para com os que obedecem a Ele, e o cuidado que um pastor tem por seu rebanho.
A vara do pastor de ovelhas na verdade é a parte inferior do cajado, que serve para açoitá-las quando elas se afastam do lugar em que devem ficar reunidas; e o gancho (a parte superior e curva do cajado), é usado para retirar as ovelhas que acidentalmente caem em buracos ou em valas ao se afastarem do caminho.
Sem querer, no versículo 4 do Salmo 23, o Rei Davi acaba se declarando uma pessoa imperfeita e falha, ao dizer que a vara e o cajado do Seu Pastor o consolavam. Ele deixou aparente, de forma indireta, que não conseguia obedecer a Deus sempre, que não conseguia deixar de pecar totalmente, apesar de amá-lo e buscar conhecê-lo. Porém, perceber que estava sendo castigado e corrigido pelo Senhor lhe servia de consolo, pois, essa era uma das maneiras pelas quais Davi sabia que estava sendo considerado por Deus e que o Senhor estava a favor dele, ou, estava com ele, ainda que sua vida estivesse em perigo.
"Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda" (versículo 5); na Bíblia NVI, encontramos o seguinte: "Preparas um banquete para mim à vista dos meus inimigos. Tu me honras, ungindo a minha cabeça com óleo e fazendo transbordar o meu cálice". Neste trecho o salmista declara que, ao se deixar ser conduzido por Deus, este lhe considera e lhe favorece de várias formas diante daqueles que querem lhe fazer mal.
Na cultura do povo hebreu, preparar um banquete para alguém, ou passar óleo perfumado na cabeça ou no corpo de alguém durante um banquete eram formas solenes de homenagear, de declarar ao outro a consideração, o apreço e a satisfação em ter a presença desta pessoa por perto. E quando Davi diz que durante este banquete Deus, além de perfumá-lo com óleo, ainda fazia o seu cálice transbordar, ele está querendo dizer que Deus estava lhe favorecendo de forma abundante, de maneira que até os que estavam próximos poderiam ser favorecidos também.
"Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias" (versículo 6). O Rei Davi conclui o salmo declarando que ao se deixar guiar por Deus seria sempre favorecido por Ele, ou seja, Deus seria sempre bom e misericordioso com ele enquanto vivesse; e esta bondade e misericórdia seriam manifestas de uma tal forma que seus dias sobre a terra seriam muitos.
Quando o salmista declara "habitarei na casa do Senhor por longos dias", ele está dizendo que Deus lhe concederá muitos anos de vida, lhe concederá longevidade. A "casa do Senhor" à qual Davi se refere é o seu corpo, onde habita o seu espírito.
Observamos, portanto, que o Salmo 23 é mais um dos vários trechos da Bíblia onde encontramos uma garantia escrita de que Deus favorece aqueles que buscam aprender e viver segundo a Sua reta justiça.
Na liturgia judaica, conforme o que está escrito na Torah (em hebraico), o Salmo 23 também é lido e entendido assim:
O Eterno é meu pastor e nada me faltará. Far-me-á repousar em pastos verdejantes e me conduzirá por um lugar de plácidas águas. Minha alma será restaurada; guiar-me-á nas veredas da justiça por amor de Seu Nome. Se tiver que seguir pelo sombrio vale da morte, não recearei mal nenhum, porque Tu estarás comigo. Teu apoio depois do Teu castigo ser-me-ão por consolo. Diante de mim preparará uma mesa de delícias na frente dos meus inimigos. Ungir-me-á com óleo de unção a minha cabeça e o meu cálice transbordará de fartura. Unicamente a felicidade e a misericórdia seguir-me-ão durante a minha vida. E o meu habitar será por longos dias na mansão do Eterno.
Pastora Oriana Costa.